sexta-feira, 11 de março de 2011

A Nova Consciência de ser Mundo - Carlos Henrique Machado de Freitas, no Cultura e Mercado

Graças aos progressos fulminantes da informação, o mundo fica mais perto de cada um, não importa onde esteja. O outro, isto é, o resto da humanidade, parece estar próximo. Criam-se, para todos, a certeza e, logo depois, a consciência de ser mundo e de estar no mundo, mesmo se ainda não o alcançamos em plenitude material ou intelectual.O próprio mundo se instala nos lugares, sobretudo as grandes cidades, pela presença maciça de uma humanidade misturada, vinda de todos os quadrantes e trazendo consigo interpretações variadas e múltiplas, que ao mesmo tempo se chocam e colaboram na produção renovada do entendimento e da crítica. Assim o cotidiano de cada um se enriquece, pela experiência própria e pela do vizinho, tanto pelas realizações atuais como pelas perspectivas de futuro. As dialéticas da vida nos lugares mais enriquecidas são paralelamente o caldo de cultura necessário à proposição e ao exercício de uma nova política.

Funda-se, de fato, um novo mundo. Para sermos ainda mais precisos, o que, afinal, se cria é o mundo como realidade histórica unitária, ainda que ele seja extremamente diversificado.

Ousamos desse modo, pensar que a história do homem sobre a terra dispõe afinal das condições objetivas, materiais e intelectuais, para superar o endeusamento do dinheiro e dos objetivos técnicos e enfrentar o começo de uma nova trajetória. Aqui, não se trata de estabelecer datas nem de fixar momentos de folhinha, marcos num calendário. Como o relógio, a folhinha e o calendário são convencionais, repetitivos e historicamente vazios. O que conta mesmo é o tempo das possibilidades efetivamente criadas, o que à sua época, cada geração encontra disponível, isso a que chamamos de tempo empírico, cujas mudanças são marcadas pela irrupção de novos objetivos, de novas ações e relações e de novas idéias. (Milton Santos).
CULTURA DO BRASIL, PONTO A PONTO, É UM BLOCO REVOLUCIONÁRIO.
Quando o Ministério da Cultura se propõe ser um radar do mercado, como parece ser o caso desse momento em que a recomendação oficial está ligada ao investimento em consumo de arte como objetivo, essas perspectivas parecem vindas de corretoras que recomendam apostas especulativas em empresas ligadas ao setor cultural na mira da mais valia. Todos os ponteiros indicam que a prática educativa do Ministério da Cultura hoje é, por formação permanente, de consumidores, tratando filosoficamente a sociedade brasileira não como um fenômeno de cidadania, mas com características de público, vital a um virtuoso projeto de neoliberalismo cultural.
Tudo indica que o MinC buscará mais ações voltadas ao mercado do que reflexões sobre a cultura da sociedade brasileira. Cada vez mais distante dos diálogos com o povo brasileiro, o MinC de Ana de Hollanda se afina com as consultorias movidas pelo conservadorismo e pela seletividade, tanto em escala patrimonial quanto em seu conceito enviesado de democracia cultural.
Vemos publicadas em grandes jornais as reveladoras intenções da ministra e seus limites endereçados a um ministério particular que parece a todo custo buscar uma solução para que as obras individuais, frequentemente associadas, sobretudo à indústria fonográfica, retomem sua musculatura financeira perdida com a quebra da indústria cultural. Tudo isso longe da complexidade e dos instrumentos registrados na fisionomia e na escala cultural produzida pela própria sociedade.
Os movimentos populares protagonizados pelas camadas mais pobres da população no governo Lula buscaram informações generalizadas com o objetivo de disponibilizar outras possibilidades de entendimento da cultura brasileira em seu cotidiano e em seu território. Isso criou uma extraordinária interfecundação nas camadas sociais. Agora, com esta nova gestão, penso que descobrimos a falta de sentido da nossa cultura como verdadeira extensão continental. As promessas da engenharia neoliberal de cultura produzem uma mutação para o domínio, sobretudo das multinacionais que construíram um mundo confuso e perverso com suas múltiplas formas de fazer da cultura um negócio, e neste negócio disponibilizar um cabedal de racionalidade dominante que defende a ideia individual como sistema central de idéias e informações autorizadas apenas à visão histórica do mercado cultural corporativo. Por isso, em menos de sessenta dias, substanciais manifestações inflamaram os espíritos contra o pensamento fundado pelas políticas em questão da gestão atual do Ministério da Cultura.
O MinC hoje, ouvindo as vozes dos morcegos do Ecad, parece entender de cabeça pra baixo a cultura de um país como o Brasil que vive uma extraordinária mutação tecnológica. Ana de Hollanda, ao que tudo indica, quer colocar a cultura não a serviço dos homens, mas de uma fábula econômica criada pelo endeusamento do reino do dinheiro.
Ana de Hollanda, assim, volta à ideia da “cultura de berço” e do Estado mínimo da era FHC e refunda no MinC a privatização da cultura como ideia de categoria, marginalizando, principalmente a pobreza brasileira, compartimentando e fragmentando o nosso conceito de cultura para dar soberania à “intelectualidade” neoliberal de cultura.
Neste novo sentido inverso ao da própria sociedade, o MinC demonstra não querer enxergar a existência de cada pessoa e de cada lugar do Brasil em um encontro do novo engenho humano construído pelos revolucionários pontos de cultura e cultura digital. Radicalmente diferente daquele momento mágico que a cultura do Brasil recentemente viveu, o que podemos chamar de antropofagismo institucional, na era Lula, na gestão Gil e Juca.
Hoje, a base material com a qual Ana de Hollanda quer se instrumentalizar é a do imperativo hegemônico, a do imperialismo e da concentração do capital. Esta parece ser a nova ordem “intelectual” que busca restaurar aos medalhões da indústria o brilho de suas coroas.
Agindo assim, o Ministério da Cultura finca, como numa guerra de propagandas, em sua sede a bandeira da indústria como se fosse uma corretora fiscal com inflexibilidade física e moral, aonde o MinC extrai recursos da sociedade para entregar nas mãos da cultura corporativa. Podemos dizer que a atual gestão do MinC  seguirá à risca o sistema da grande mídia como vetor dominante de suas realizações, impondo o velho pensamento único como política pública, impossibilitando cada vez mais o encontro do Estado com a sociedade, o que vinha sendo construído nos últimos oito anos.

O Ministério da Cultura parece querer ser meeiro do mercado, sobretudo do Ecad e seus tentáculos multinacionais. Por isso, quando a ministra retirou o Creative Commons do site do Ministério, colocou na geladeira os pontos de cultura e decapitou a SID (Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural), o MinC, sob os interesses da indústria, tenta impedir o avanço de um bloco revolucionário que quer construir no Brasil um novo mundo contemporâneo, um novo universalismo com interpretação multidisciplinar que realça a ideologia e a inteligência da sociedade brasileira.
A CULTURA COMO SONHO BRASILEIRO DE UM NOVO HUMANISMO
“Agora estamos descobrindo o sentido de nossa presença no planeta, pode-se dizer que uma história universal verdadeiramente humana está, finalmente, começando. A mesma materialidade, atualmente utilizada para construir um mundo confuso e perverso, pode vir a ser uma condição de construção de um mundo mais humano. Basta que se completem as duas grandes mutações ora em gestação: a mutação tecnológica e a mutação fisiológica da espécie humana.

A grande mutação tecnológica é dada com a emergência das técnicas da informação, as quais – ao contrário das técnicas das máquinas – são constitucionalmente divisíveis, flexíveis e dóceis, adaptáveis a todos os meios e culturas, ainda que seu uso perverso atual seja subordinado aos interesses dos grandes capitais. Mas, quando sua utilização for democratizada, essas técnicas doces estarão a serviço do homem.

Muito falamos hoje nos progressos e nas promessas da engenharia genética, que conduziriam a uma mutação do homem biológico, algo que ainda é do domínio da história da ciência e da técnica. Pouco, no entanto, se fala das condições, também hoje presentes, que podem assegurar uma mutação fisiológica do homem, capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa e também do planeta”. (Milton Santos).

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