quarta-feira, 30 de março de 2011

Ativistas da Cultura Digital em debate com o Ministério da Cultura - vídeos



O encontro, que contou com professores, artistas, articuladores de rede, jornalistas, representantes de pontos de cultura e pesquisadores da área de Cultura Digital e Direito Autoral, foi emblemático e, historicamente, marcará a linha do tempo como o primeiro momento em que estiveram face-a-face, sociedade civil e Ministério da Cultura na gestão Ana de Hollanda (ainda que a própria não tenha estado presente ao debate).
Durante a atividade muitas questões foram colocadas na mesa, em resposta ao pedido de franqueza e sinceridade posto logo na abertura pelo secretário executivo Vitor Ortiz. Todas as considerações foram transmitidas ao vivo pelo twitcam do Culturadigital.br, mas para aqueles que não tiveram a oportunidade de assistir, fizemos uma edição do material coletado e estamos disponibilizando para aqueles que querem fazer suas próprias análises.
Indicamos também a leitura destes dois artigos que desenham em palavras pontos bastante importantes para o entendimento tanto desse momento político e quanto, por assim dizer, dos atuais  atropelos do Ministério da Cultura.
Houve divulgação oficial do debate também no site do Ministério da Cultura. Talvez esse seja um sinal positivo, um sinal de que a linha editorial se cansou de republicar matérias polêmicas de ataque, como as frequentemente publicadas de autoria ou coautoria de Caetano Veloso. (Ex.: Alain? (Caetano Veloso)Caetano Veloso: “Ninguém de boa-fé pode ser contra os direitos autorais”, Pontos teimosos (Caetano Veloso)

Vídeos

Parte 1 – Com a palavra José Murilo

Parte 2 – Com a palavra Sérgio Mamberti

Parte 3 – Com a palavra Vitor Ortiz

Parte 4 – Com a palavra os ativistas: Pablo Ortellado e Gustavo Anitelli

Parte 5 – Com a palavra os ativistas: Sérgio Amadeu, Fábio Ferron e Renato Rovai

parte 6 – Com a palavra Claudio Prado

Obs.: outros vídeos estão sendo upados e entrarão no ar até o final desta semana. Acompanhe!

== O último Bastião da liberdade ==

Um bastião ou “baluarte” é uma fortificação que serve para manter a salvo todos aqueles que estão atrás de suas muralhas, sob seu solo. Frente às crescentes perseguições aos webcompartilhadores de conteúdo em todo o mundo, o Brasil, segundo Gustavo Anitelli, foi, durante os últimos oito anos, com os avanços propostos no Ministério da Cultura, o último bastião da liberdade. Último que corre o risco de ser extinto.
Nossa terra era o lugar onde compartilhar não era considerado um crime, uma contravenção penal, um ato fora da lei. Aqui, por parte dos fazedores culturais que hoje falam com orgulho “Sou MinCC”, o conhecimento colaborativo deveria correr solto, no ímpeto de transformar esse lugar na nação mais rica de todo ocidente.
Entretanto, como já demonstra claramente para todos através de uma entrevista vinculada no Estadão (jornal que diga-se de passagem apoiou publicamente a candidatura de José Serra para presidente, como pode ser visto nesse editorial ainda no ar ), a ministra, no que tange a sua governabilidade, não medirá esforços para implementar políticas que são a mais violento tsunami para diversos ativistas da cultura digital, incluindo aí deste movimentos estudiolivristas, pontos de cultura digital, movimento sociais em geral até pesquisadores e professores que tem defendido com propriedade a necessidade urgente da reforma da lei de direitos autorais.
Em ”O jogo é violento”, Ana afirma :

“Aquela proposta me assustou um pouco.”

  • Sobre o direito do consumidor, de produtores musicais e de artistas por uma maior fiscalização de entidades de arrecadação de direitos autorais pelo estado:

“Então o intervencionismo do Estado (na fiscalização do Ecad) é muito complicado.”

  • Sobre a visita do secretário de comercio americano e a conversa a portas fechadas com o Ministério da Cultura:

“Ele estava muito preocupado com a questão da liberação dos direitos. De como a flexibilização no direito autoral pode acarretar mais tolerância com a pirataria.”

Vale ressaltar nesse ponto o uso equivocado do termo pirataria.  Ele tem sido usado pela industria cultural e por grandes empresas que sustentam seu modelo de negócio em direitos autorais. E tem sido usado na acepção mais distorcida possível. A tentativa é, como sempre, criminalizar, marginalizar, obscurecer a prática de cópias não autorizadas. Neste sentido, também, associar o uso de conteúdos sem citação de fonte com o termo pirataria é um erro, pois isso configura plágio e não pirataria.
  • Sobre a retirada da licença Creative Commons  do site do Ministério da Cultura:

“Eu achei muito estranha a gritaria que esse caso criou. Aquele selo era uma propaganda dentro do site do MinC. Não existe a possibilidade de você fazer propaganda ali. A responsável agora sou eu e eu não podia permitir que isso continuasse.”

Propaganda? O que será que a menção a ferramenta livre wordpress está fazendo no rodapé do site do ministério senão propagandeando o uso de software livre? Por essa afirmação bem se vê que a ministra não entende absolutamente nada de sistemas de licenciamento.

=== Mitos e equivocos da visão do atual ministério ===



“Flexibilizar a lei de direitos autorais vai acabar com o Direito do Autor. Temos de proteger o autor”
Essa idéia que circunda as entrelinhas dos discursos do atual ministério é um tanto quanto inverdadeira. Ninguém em sã consciência poderia defender a ideia de acabar com direitos do autor, sobretudo na era moderna, na nossa sociedade contemporânea industrializada e digitalizada. Em outros modelos de sociedade talvez essa premissa faça sentido. Por exemplo, seria muito difícil explicar (impor, diriam alguns) para um indivíduo indígena, de uma nação ágrafa, que ele precisa citar a fonte de uma estória e/ou de uma canção de seu folclore. Mas na nossa sociedade moderna o direito do autor se torna um dos pilares da democracia e da representatividade

== Ata ==

Miguel Said, um dos ativistas presentes no debate, registrou em palavras os momentos mais emblemáticos do cada fala, de cada intervenção. Disponibilizamos aqui também mais este registro.
Tadeu de Pietro (chefe da representação regional do MinC)
Mesa fará uso da palavra, e depois abriremos um pequeno espaço para perguntas (deverão ser objetivas por conta do tempo exíguo [começou as 15h10, vai até 17h30-18h]).
José Murilo Jr. (coordenador de CD no MinC)
Novo momento para Cultura Digital no ministério, como não poderia deixar de ser com a transição do governo.
Agora é o momento de institucionalização dessas políticas no MinC; tivemos muito impacto e discussões fora do ministério, mas agora tentaremos incorporar isso internamente.
Eixos (os dois últimos são novos):
1. Memória: padrões abertos, governança, PNBL.
2. Arte: prosseguir na conexão das instituições (laboratórios de arte e tecnologia) à RNP.
3. Comunicação: plataformas públicas de disponibilização de conteúdo; ênfase nos desafios do vídeo.
4. Economia: programa de games. Vínculos com a secr. de Economia Criativa.
5. Infraestrutura: PNBL, pela perspectiva do conteúdo; rede de servidores livres; convênio com a UFABC, para modelo de produção aberta e distribuída de software livre.
6. Educação 2.0: laboratórios do Proinfo; laboratórios de arte e tecnologia.
7. Governança 2.0: internalizar (no MinC como no resto do governo) as inovações do culturadigital.br; uso da própria plataforma (ou um clone seu) para implementação do Plano Nacional de Cultura. Modelos de governança para garantir a continuidade, bem como o caráter público (e não apenas estatal) para a plataforma.
Sérgio Mambert (secr. de políticas cuturais, onde está a coordenação de CD)
Importância da CD. Secr. de políticas culturais passou por reformulação [coordenações de educação e comunicação?].
Vítor Ortiz (secr. executivo)
Eu e Murilo convivemos durante minha passagem na Funarte. Ele é o único servidor do MinC dedicado à CD.
Sou uma pessoa muito franca. Na minha opinião começamos chutando contra a nossa goleira; e digo nossa, pois acho que é de todos mesmo. Temos muito respeito pela herança que recebemos da gestão anterior no que diz respeito à sua relação com a militância da cultura digital. Esta é uma gestão de continuidade, não de ruptura.
[Se é mesmo continuidade, então convidamos vocês a encaminharem o texto do anteprojeto, tal como foi considerado pronto pela gestão anterior, ao Congresso?]
O quadro da cultura nas gestões FHC, concentrado na ideia de que o mercado dá as soluções para a cultura, e o Estado não participa. Conseguimos reverter isso de forma criativa. Na verdade, a atuação do Estado nesse setor é algo que vem sendo construído a muito tempo: lei de tombamento é muito significativa no sentido de interferência estatal sobre a propriedade privada; a próxima lei que faria esse tipo de intervenção seria apenas a lei florestal, décadas depois. (No meio tempo, na década de 1940, houve discussão de uma lei [ou PL?] que permitia desapropriação de obras artísticas.)
[Por que então o recuo no sentido da participação estatal na supervisão das sociedades gestão coletiva? Por que então a retirada da licença Creative Commons?]
[Por que ir contra as determinações do próprio PNC, que apontou para a necessidade da revisão da lei e de supervisão nas sociedades de gestão?]
Penso que a questão do Creative Commons deve sair do ministério, e ir para o governo federal de forma ampla. As reclamações são legítimas, mas o debate deve ser feito.
A disponibilização do anteprojeto da LDA foi um ato de transparência. Em 30 dias será aberto um novo processo de consulta; ainda este ano vamos fechar o projeto e enviá-lo ao Congresso. Fora isso, o projeto não será alterado sob portas fechadas. [Contrasta com as primeiras declarações da ministra.]
Sérgio Mambert (secr. de políticas cuturais, onde está a coordenação de CD)
Os embates mais sérios em relação à Convenção Sobre a Diversidade Cultural foram na OMC, e em torno das questões de direito autoral. As pressões dos EUA giram muito em torno disso, vimos claramente na pauta da visita do Obama e seu diálogo com o MinC.
Pablo Ortellado
Agradeço a oportunidade de diálogo, e atendendo a seu pedido de sinceridade quero expor como nós da sociedade civil vimos até hoje o governo em relação a direito autoral. Para nós, há mais um elo no papel histórico da lei de direito autoral: não apenas a relação entre criadores e consumidores, mas também intermediários ― toda a cadeia produtiva da cultura.
O fato, porém, é que as mudanças tecnológicas e sociais fizeram com que hoje fosse possível existir uma banda como o Teatro Mágico, que vende 200 mil discos sem gravadora; que faça a ponte direta, sem passar por intermediários. A proposta da reforma, acreditávamos, adequaria a lei a permitir uma transição suave para essa nossa situação, de uma sociedade pós-industrial.
Por conta disso, ficamos realmente muito incomodados com as primeiras declarações da ministra, criticando justamente os capítulos da lei que da forma atual defendem alguns desses intermediários ― em particular as sociedades de gestão.
Perguntas objetivas:
1. Qual a posição do ministério em relação à supervisão estatal das sociedades de gestão?
2. Qual será a posição do ministério quanto a downloads de arquivos que violem DA? (Ainda que o MinC não atue diretamente sobre isso, ele necessariamente será ator nas discussões sobre isso, sejam elas interministeriais, na opinião pública etc.)
3. O que mudará no domínio das relações exteriores, em que a gestão anterior foi extremamente ativa no sentido da flexibilização e readequação das leis de PI?
Gustavo (Teatro Mágico)
Quero expor o meu constrangimento: sou militante do PT, e muitos conhecidos de todo o mundo vieram me dizer que estavam tristes, pois o Brasil sempre foi o bastião dos avanços nessa área de direito autoral e cultura digital.
Sérgio Amadeu
Qual a política que o Ministério proporá, em relação aos modelos de distribuição de bens culturais, para os pontos de cultura, ou para os criadores em geral?
Renato Rovai
Conheci recentemente o Vítor, e descobri que temos muita coisa em comum: usamos xerox na faculdade; e nossas filhas baixam música na internet.
Discurso do ministério até agora foi de retrocesso. Sou jornalista, acompanho essa questão, e pelo que pude apurar, a retirada do Creative Commons foi iniciativa própria da ministra: não foi discutido no âmbito do ministério, muito menos no do governo federal.
Vítor Ortiz
Acho que uma parte grande do embate teve a ver como uma demonização feita da ministra por conta da retirada da licença Creative Commons.
Com relação ao ECAD, ninguém defende o ECAD; isso foi coisa criada durante o debate no Twitter e nas mídias. Todos nós defendemos a transparência no ECAD. E assim como, como disse o Rovai, muita gente votou na Dilma defendendo o compartilhamento, muita gente que votava nela também estava assustado com o que estava ocorrendo, talvez porque não participou suficientemente das discussões públicas.
Nós defendemos a descriminalização do DA.
Sérgio Mamberti (secr. de políticas cuturais, onde está a coordenação de CD)
Identifico-me com as reivindicações apresentadas, acho importante mantermos o diálogo. [...] Acho muito legítima a reivindicação de regulação das sociedades de gestão, não faz sentido ser de outra forma.
Maurício Fonseca (Conselho Permanente da Cultura Popular, Colegiado Setorial de Culturas Indígenas)
Acrescento às ponderações feitas até aqui, com as quais concordo, a seguinte: a definição de cultura que a ministra apresentou no discurso inaugural, em suas primeiras falas, foi problemática e extremamente criticada. Muitos dos avanços da gestão anterior basearam-se na explicitação dele do que era entendido por cultura para o ministério.
Antonio Pedro (São Caetano do Sul)
Acho que o problema central não é o corte de verbas ou outras coisas pontuais ― e sim o fato de que as pessoas não se conhecem politicamente; é preciso colocar todo mundo no mesmo terreiro.
Rodrigo Savazoni
Sobre a demonização, acho importante registrar que se ela ocorreu, ela foi iniciada por uma ação de lá para cá, e não de cá para lá: tirar um símbolo forte da política anterior nos primeiros dias de governo não é algo à toa. Por que não foram chamados os defensores dessa política para discutir a questão?
Proponho que o MinC sinalize no sentido oposto: coloque o site em copyleft.
Ivana Bentes
Os pontos de cultura calaram-se durante um ano, sem receber; não levantaram essa bola para a mídia, em prol de um projeto político. Agora, que esse projeto está sob risco, eles não têm como se calar. A atitude da ministra realmente foi péssima, e deu a impressão de alguém que assume um emprego sem ler a proposta; toda essa política estava no próprio site, e mesmo no PNC, que fala explicitamente da reforma da LDA.
O ministério não pode simplesmente alegar que ele é “neutro”. Ele tem que tomar partido, e quando ele não faz isso, é óbvio que vai haver cobrança de nossa parte.
Ladislau Dowbor
O que está acontecendo agora é que o papel dos intermediários está cada vez mais reduzido, e com isso eles estão correndo atrás de agarrar tudo o que é possível.
Eneida Soller (Conselho Brasileiro de Entidades Culturais)
Uma das coisas que mais incomodou no discurso do ministério até agora foi a indicação de que a reforma seria reavaliada por “especialistas”. Como assim: e os artistas, os criadores? É inaceitável que nós sejamos alijados do debate por essa justificativa ― ainda mais nós, que somos ator central no processo que a lei regula.
Damásio (Comissão Paulista de Pontos de Cultura)
Movimento dos Pontos de Cultura está muito chateado, pois desde o começo apoiou a eleição desse governo.
Guilherme Varella (IDEC)
As duas gestões anteriores do MinC promoveram uma mudança muito importante. Tradicionalmente, o direito autoral é tratado como uma questão comercial: nas faculdades de direito, ele é tratado no direito comercial ― por quem representa os artistas, e não pelos artistas. O MinC até aqui havia permitido que uma massa até então amputada desse debate participasse nele: o público, que é uma parcela fundamentalmente afetada pela cadeia da cultura.
Vejam as contribuições do ECAD e da Abramus à consulta pública: eles querem que o direito autoral não tenha nenhuma relação com o direito do consumidor ― como se o direito autoral fosse um direito absoluto, e como se o consumidor de cultura fosse um consumidor de segunda classe, sem os mesmos direitos que os outros.
Vítor Ortiz
Sobre a pergunta do Maurício (conceito de cultura): temos uma equipe de gente muito participante nesse debate, que espelha esse debate. Sobre a questão dos pontos de cultura, um aspecto muito importante é que isso não existia no passado, e que o modelo de gestão está sendo criado, está sendo aperfeiçoado, mas que as regulações sobre convênios privados (e as ONGs são entidades privadas) impõem desafios para a nossa gestão.
Não é verdade que o ministério seja apenas dos artistas; sabemos que a política cultural tem que ir muito além disso. O que a ministra quis dizer em suas declarações é que o aspecto criativo da produção tem que ser valorizado ― o que não quer dizer que se vá centralizar no grande artista. Agora, é importante ter claro que o ministério ampliou a discussão da cultura para outros setores, mas não abandonou e não abandonará o setor artístico.
A discussão sobre o ECAD não deve ser a única em relação à LDA. Em relação a ela, é importante pensar que é necessário buscar um ponto médio entre o extremo de um modelo privado de gestão, e outro extremo de interferência estatal.

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