quarta-feira, 9 de março de 2011

Neste Carnaval, MinC veste a fantasia errada! - Allan Rocha de Souza e Pablo Ortellado


Nesta terça-feira gorda, a Ministra da Cultura deu depoimento ao O Globo no qual tentava justificar o abandono do anteprojeto de reforma da lei de Direitos Autorais que tem em mãos. Como de outras vezes, as razões são vagas e românticas, nos remetendo a carnavais passados, mas que continuam a nos assombrar.

Na matéria, afirmava que “A insatisfação estava muito grande. O que estava no site (do MinC) teve cerca de 70% de avaliações negativas. Não posso endossar uma política que ninguém conheceu. Foi um trabalho feito e temos que ouvir melhor. Porque tem muitos questionamentos sobre o assunto. Eu não vou endossar uma proposta em que não haja um mínimo de consenso.”
É, porém, mais uma avaliação equivocada desta incontrolável administração, pois uma leitura mais isenta, ainda que rápida, do conjunto de contribuições ao anteprojeto disponibilizado para consulta pública traz outra fotografia.

Sem adentrar no exame qualitativo das contribuições, para começar, basta selecionar os cinco maiores participantes individuais e chegamos a incríveis 652 contribuições, 644 discordando da proposta e apenas 08 concordando, sendo responsáveis por 8,29 % das 7.863 contribuições feitas diretamente na plataforma.

E, ainda mais interessante, certas frases eram repetidas ao infinito por estas pessoas. O vencedor, por exemplo, em 165 das 172 contribuições, opôs à sua justificativa que “apenas o autor poderá mudar o que já está consolidado”. O segundo, mais sucinto, repetiu em suas 153 contribuições que “só o autor poderá mudar”.

O terceiro afirmou em suas 119 contribuições que “a obra dos autores é bem protegida pela lei atual”. E o próximo, mais prolixo, disse, em 103 das 112 vezes, que “concorda com a lei atual”, em 05 vezes que “a lei atual não necessita de revisão” e em 04 ocasiões que “a lei atual não carece de reforma”.

E isto não é o mais revelador. Uma análise inicial quantitativa indica 339 (4,31%) aportes diretamente dos computadores do ECAD, realizados por 70 pessoas diferentes. A Abramus, associação líder no ECAD, por sua vez, contribuiu 231 vezes (2,94%). A Abramus discordou sempre, enquanto o ECAD em 98,52% das vezes.

Somando apenas estes dois grupos, que não se sobrepõem, chegamos a 15,54% das contribuições. Tudo indica que o ECAD mobilizou dezenas de pessoas – talvez funcionários – para atacar diretamente a reforma.

E mais ainda, um provedor vinculado a um diretor das associações componentes do sistema ECAD comportou 47 contribuições, todas discordando da reforma. Ao mesmo tempo, outro provedor apresenta-se com 263 contribuições discordantes e uma solitária concordância. Acrescentando mais 3,95% de discordâncias.

São 11,2% de quatro organizações, sendo três comprovadamente vinculadas ao ECAD. Aos quais se somam os 8,29% dos cinco indivíduos insatisfeitos, mas com idêntica retórica. Juntos, chegam a praticamente um quinto das contribuições (19,49%).

Seguramente uma análise mais detida de outras contribuições em massa, sempre negativas à reforma e vindas dos mesmos endereços IP (que identificam pontos de acesso à Internet) aumentariam esses números para percentuais ainda mais altos.

Está claro que setores insatisfeitos com a reforma tentaram sabotar o processo, contribuindo, de maneira orquestrada, para dar a entender que a reforma incomodava muita gente e não apenas alguns poucos privilegiados pelas distorções do sistema atual. É impossível não notar que o ECAD é o insatisfeito, o interessado em interromper a reforma da lei de direitos autorais vigente (9.610/98), que, nas interpretações propostas por este mesmo grupo, é ofensiva ao equilíbrio, à razoabilidade, à ponderação e ao próprio ordenamento jurídico.

O que a fala da Ministra expõe são os vícios de um grupo enfatuado com os privilégios e excepcionalidades incrustados no sistema de gestão coletiva, que age contra os interesses de muitos artistas, associações, empresas e cidadãos. Atestam essa proximidade as manifestações ministeriais alinhadas ao ECAD, ainda antes da nomeação, a reunião privilegiada em seu gabinete com um dos principais advogados do ECAD, Hidelbrando Pontes, a nomeação para a Diretoria de Direitos Intelectuais de uma integrante visceral do Conselho Nacional de Direito Autoral, então comandada por este advogado, com o qual escreveu inclusive artigo publicado.

E se torna cada vez mais difícil desvincular a Ministra Ana de Hollanda, sua equipe e seu suporte político dos desejos e meios ilegítimos do ECAD e sua corte, talvez os maiores opositores locais à liberdade, cidadania, democracia e inclusão culturais.

A continuidade deste processo de retrocesso no Ministério da Cultura representará a maior fraude eleitoral do governo Dilma até o momento. A ver!

* Allan Rocha de Souza, Coordenador do Curso de Direito da UFRRJ/ITR, Professor e Pesquisador de Direitos Autorais do PPED/UFRJ. 

** Pablo Ortellado, Professor e Pesquisador do curso de Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Estudos Culturais da EACH-USP.

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