quinta-feira, 7 de abril de 2011

Carta de Pablo Gentili para Grassi e Vitor Ortiz do Ministério da Cultura

Rio de Janeiro, 2 de março de 2011

 
Caros Vitor e Grassi,

A gente ainda não se conhece pessoalmente, mas eu, claro, acompanho vosso trabalho e divido com o Emir muitos anos de parceria, amizade e projetos que, no complexo labirinto onde se juntam a política e a atividade acadêmica, fizeram com que eu me apaixonasse por este País.

Cheguei ao Brasil por seis meses, caminho à Alemanha. Estiquei minha permanência por mais algumas semanas, aproveitando o verão e interessado nas turbulências que levariam à falência o Governo Collor. Nessa época conheci o Emir e aqui fiquei, há 19 anos atrás.
Desde então, participo muito ativamente de diversos espaços de luta, vinculado ao PT, ao movimento sindical, e tentando ajudar a construir alternativas a uma realidade que parece, quanto menos, paradoxal: temos hoje mais votos do que idéias, como diz Marco Aurélio Garcia, mais votos do que interpretações originais e críticas que permitam explicar como chegamos até aqui e para onde vamos.
Nestes 19 anos vi e aprendi muitas coisas. Mas, lhes confesso, que nunca tão de perto, fui testemunha de uma covardia eticamente tão pobre quanto à da atual equipe do Ministério da Cultura, perante as agressões e as armadilhas que sofreu o Emir nos últimos dias. Desculpem minha sinceridade e, desculpem ainda mais se disperso vossa atenção de temas mais relevantes, mas acho que as derrotas podem vir de improviso e sem chamar à porta, ou podem começar fazendo barulho e antecipando seu desenlace. É isto último o que está se gestando no novo MINC.
A atitude que as pessoas de esquerda no comando do MINC assumiram neste episódio do Emir é o preanuncio de uma derrota cujos efeitos não demorarão muito em aparecer.
Pode ser que seja ingênuo pensar que vocês ou algum outro companheiro sairia em defesa do Emir, se sequer saíram em defesa da Ministra todas as vezes que, desde o inicio do seu medíocre percurso pela história da Cultura Brasileira, foi interpelada não só pelos “blogueiros da madrugada”,  como ela os denomina, senão fundamentalmente pelos setores mais ativos e engajados da produção cultural no País. Pode ser que este seja a novo estilo do Ministério, mas não deixa de ser lastimável.
Por favor, não pensem que acho que o Emir precisa de defesa nem, muito menos, de qualquer tutela política que o proteja da pirotecnia da imprensa conservadora. Não, Emir não precisa disso. Mas Emir representou nestes dias o alvo contra o qual foi dirigida a artilharia destinada a bloquear toda possibilidade de abrir a Caixa de Pandora do debate público sobre o Brasil contemporâneo. Em oito anos de Governo Lula, não houve um intelectual que tentasse fazer isto sem levar porrada da imprensa. O caso emblemático é Márcio Pochman cujo excelente trabalho no IPEA sempre foi atacado com as mais diversas manifestações de desprezo e humilhação. Não é a toa que o Emir, nos bastidores, falava de fazer um IPEA da CULTURA. Não é a toa que, assim que o Emir anunciou que o que estava em pauta era a necessidade de pensar a política e a cultura brasileira contemporâneas o acusaram  de “aparalhemento”, de “stalinismo”, de “falta de pluralismo” e, até, de “mediocridade”.
Pois é. Nesse contexto, vocês fecharam a boca e se deixaram levar pela dispersa e sempre vaga resposta de uma Ministra que não só é omissa quanto pobre em sua visão estratégica e medíocre, por dizer de uma forma educada, na sua formação política.
Coitada da Ministra, ser chamada de “autista”. Coitados dos autistas, de serem sempre o eufemismo para descrever a incompetência, a falta de preparo e a indiferença perante os assuntos relevantes que dizem respeito ao futuro do País.
A expressão foi um erro, sem dúvida. Mas, quando alguém assinala a lua, o medíocre olha o dedo. E é essa a atitude da uma Ministra que parece misturar os atributos de Chance, aquele jardineiro que imortalizou Jerzy Kosinski em Além do Jardim, e os interesses corporativos de uma elite artística que sempre esteve longe do povo brasileiro e perto da falta de escrúpulos. É uma pena que essa atitude esteja contagiando aquilo de melhor que ainda fica no seu Gabinete.
A Ana de Hollanda será à história da política cultural do Brasil o que será à história da música popular brasileira: nada. Pena que nesta aventura leve consigo alguns do mais dignos dirigentes da cultura que ainda possuímos.
¿Será este Ministério todo o medíocre que promete ser? Não sei, mas o que é certo é que ele se afasta a um ritmo intenso das expectativas, das esperanças e do compromisso militante de muitos daqueles que tentamos construir, desde dentro e desde fora do Governo, um novo Brasil.
Só mais uma coisa: não acho que deva presumir de alta sagacidade sociológica se imagino que virão novas e cada vez mais graves crises no MINC. Quando isso acontecer, apoios verdadeiros serão necessários. Quiçá nesse momento percebam que o fato de ter ficado indiferentes quando um companheiro de luta era jogado na fogueira, não se esquece facilmente.
Ninguém assume a função pública para fazer amigos. Mas, é ruim perder eles tão rapidamente.
Um grande abraço com o respeito que possuo pelo vosso passado e com a certeza de saber que, no futuro, vamos compartilhar outras batalhas.

Pablo Gentili

Diretor
FLACSO Brasil

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